quinta-feira, 5 de abril de 2012

A cidade e as Serras

Esta minha apetência pela terra, pela agricultura, pelo mundo rural, pelo estilo de vida idealizado que permite colher e comer o que se planta, se pensar bem, não é de agora. 
Começou na adolescência, quando, bicho de cidade, vivendo embora  em casa com quintal e jardim, fui levada  a ler A Cidade e as Serras de Eça de Queirós, escritor que venero, para mim, O ESCRITOR!

Estava no liceu e teria 12 ou 13 anos. 
Na aula de Português, foi obra de leitura obrigatória, a semente de uma paixão que não parou nunca de crescer.
Leio e releio Eça e, de cada vez, descubro novidades, genialidades, sentido de humor, crítica social implacável e uma galeria de tipos com uma atualidade espantosa. Poderiam, sem levantar suspeita, circular , agora perante o nosso olhar.
Aliás, circulam mesmo!

Pois bem, Eça criou a personagem Jacinto, o "Cintinho", como era pateticamente tratado o marmanjo com barba na cara e ar doentio, enfadado com a fartura que os seus altos rendimentos lhe garantiam, e que, um dia, por razões poderosas, deixou Paris, a capital do mundo civilizado e viajou para um Portugal retrógado e rústico, com horror, diria mesmo com terror.


Desembarcou aqui, na estação de Caldas de Aregos, apeadeiro do comboio que o transportava de França.
Chegou sem ser esperado devido ao péssimo funcionamento dos meios de comunicação, e, para cúmulo do infortúnio, a própria hipercivilizada bagagem se extraviara.
Cintinho, perdido no meio de nada, viu-se, talvez pela primeira vez, na sua assética , impoluta e inútil existência, repito, viu-se obrigado a tomar uma atitude:
Deslocar-se pelos seus próprios meios até Tormes, onde se situava a quinta da família. 

Entre suspiros de desespero, reparou em pormenores ameaçadores ... 

... cores  e odores estranhos ...


... até que finalmente chegou.

O solar de Tormes, secular e digno, recebeu-o sem alarido,

...  placidamente...


... na sua singela nobreza de granito.

Heras e glicíneas perfumadas enfeitando arcadas, acompanhando escadarias.

Cintinho entrou e deparou-se com o negrume de uma cozinha rústica, assustadora, na oposição direta ao esplendor dos mecanismos da civilização deixados em Paris.

Nas panelas em  cobre , sobre uma lareira fumegante, era confecionada a comida ...

... e foi nesta espécie de copa agora recuperada, que Cintinho, enfastiado, comeu o seu primeiro jantar em terras lusas. Inesperada e estranhamente, gostou, gostou muito.

Estas são algumas das fotos da Fundação Eça de Queirós, onde decorre parte da ação do romance  A Cidade e as Serras.
A casa encontra-se aberta a visitantes e, uma guia habilitada fornece detalhes interessantes sobre cada um dos locais.
Uma senhora de 92 anos, descendente de Eça, habita a casa e troca cordiais comentários com os visitantes.
Não sendo permitido fotografar mais do que a cozinha e copa e uma sala de entrada, uma visita ao local revela-se um investimento sem preço.
Em cada canto, um pouco de Eça, seja nas imensas fotos que povoam o interior, seja nos móveis por ele usados.

Com um pouco de sorte, se o amarem tanto quanto eu o amo, darão de caras com o próprio, num qualquer corredor mais sombrio, tal como a mim me aconteceu.

Beijos
Nina